quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pela Exclusão Digital



 Foi aí que o polegar opositor gritou:

– Chega, sou contra!

Os demais, anestesiados pela rotina de cutucar, apontar, teclar, essas coisas, acordaram. O indicador bocejou e:

– Contra o quê, polly?

O polegar já ia unhando o indicador quando o anular, que se pautava pelo comprometimento, dessa vez apartou (o polegar ainda resumungou: "Polly é o caralho!", no que o dedo médio, ainda com sono, deixou escapar: "É comigo?") e perguntou, abafando o riso:

– A que você se opõe, poll...legar?

 O opositor, vendo que quando mais se exaltava mais fazia sinal de positivo, finalmente aquietou-se e deixou sua impressão:

– Sou contra estarmos numa fábula!

O dedo mínimo, que precisava de no máximo três falas, deixou a primeira:

– Estamos numa fábula?

– Claro! – berrou o opositor. – Acordem! ("Já estamos acordados”, ensaiaram murmurar os demais, mas então notaram que a unha do opositor não era cortada fazia duas semanas) Não percebem? Eu, o opositor, vou ser aqui, aliás já estou sendo!, o ícone da indignação. O mentor subversivo que quando chega ao poder acaba se enrolando no cabelo das juntas. Já o indicador, com seu senso de humor descompromissado, é o que aponta o ridículo de nossa situação, dando apelidinhos pra todos (no que o indicador, ereto, soltou um gritinho: "Já tenho o meu próprio! J’accuse!", mas aí o mínimo perguntou se aquilo não era nome de banheira de hidromassagem). O dedo médio simboliza a descompostura da imaturidade, a leviana irresponsabilidade gestual, a impertinência juvenil ("Juvenil o caralho", reclamou o médio, "eu sou o maior de todos, porra!"), ele sou eu desprovido de consciência política! Já o anular, todo conciliatório, exemplifica o contraponto pra nossos perfis provocativos, e vai fechar a fábula expressando a moral da história. E o dedo mínimo é nosso óbvio restolho evolutivo, a ancestral lembrança de que ninguém é perfeito, a ilustração de nossa origem proletária, ao erguer-se na hora de segurar a xícara! Pronto: não perceberam? Estamos sendo usados numa fábula social das mais cretinas!

O mínimo, que não se magoou por não ter superego, mandou sua terceira e última fala:

– É tipo Esopo?

– Não – disse o opositor. – Esopo mexia com bicho.

– Então estamos criando um movimento contra isso, a molestação de animais? – perguntou, sarcástico, o indicador.

– Estamos criando um movimento pela exclusão digital! – proclamou o opositor. – Nos excluam de parábolas! Vão procurar metáforas em outra freguesia! Vão incomodar o sistema digestivo, muito mais rico em simbologia!

– E como vamos bancar isso? – perguntaram o médio e o indicador, evitando olhar o anular.

– Com os anéis, que são o símbolo da impermanência material e que só servem para financiar a revolução  – Disse o polegar, já se empertigando todo de novo. – Vão-se os anéis, ficam os dedos!

– No mínimo! – gritou alegre o mínimo, já abusando de sua cota de falas.

O que aconteceu foi que após uma discussão para aparar as últimas arestas com um cortador de unha todos combinaram de se dar os dedos e não escrever este post. Quer dizer – combinar, combinaram, né.

(Ei, esse lance de que o levante furou porque havia um traidor no grupo é conclusão sua, leitor. Tem dedo meu nisso não)