domingo, 21 de outubro de 2012

Tália, a musa

Depois do escritor chegar a clamar ao Oimpo que enviasse uma musa para ajudar na criação do bendito texto que não saía, tocaram a campainha. Era o entregador de pizza. O escritor viu que faltava orégano na calabresa e mandou de volta. Daí a meia hora tocaram de novo a campainha e entrou a moça com a cara da Jennifer Connely, usando uma túnica fininha de algodão, coroa de hera, sandálias prateadas e carregando a máscara risonha.

– Uau – disse o escritor. – Quando pedi pra capricharem mais no tempero não pensei que fossem levar ao pé da letra.

– Mmm – disse a moça. – Timing meio mais ou menos. Mas dá pro começo. Pois então, vim atender a seu chamado.

– Você é...? – perguntou o escritor, pensando se seria um bônus de Natal da agência de acompanhantes.

– Não sou a Jéssica nem a Dayanne que você pensou aí. Sou a Tália.

– Tália? – disse o escritor, tentando se lembrar. – Mas Tália não é... mm... a musa da Comédia?

– Ah, finalmente. Achei que eu estivesse falando grego. Ou quando muito dialeto jônico.

O escritor sentou-se ao computador, mais contrariado que surpreso. Aí falou:

– Mas, das nove musas, por que logo a da Comédia?

– Zeus escreve certo por linhas tortas, ou algo parecido. Podemos começar?

– Tá, entendi a piada – disse o escritor. – Mas ainda assim: meu negócio é drama! Minha especialidade são histórias secas, naturalistas. Densas. Viscerais. Um soco no estômago do leitor, entende?

– Então me considere uma sparring que veio melhorar seu upper, benzinho. Soco no estômago? Ew.

O escritor olhou para cima, como se clamasse a alguma entidade:

– Mas eu sempre quis ser reconhecido como autor sério! Não atravessei o Dostoiévski inteirinho e treinei aqueles maneirismos pra isso! – e, erguendo as mãos ao céu: – Por quê?

– O Olimpo é pra lá, benzinho – e a moça apontou a janela à esquerda.

– Recuso a pecha de piadista – prosseguiu o escritor, fingindo que não tinha ouvido. – Não quero ser o arauto da leviandade. O literato da irresponsabilidade. Fazer rir é demérito! O mote, o trocadilho, o joguinho de palavras, os diálogos bate-e-vira com escada pra piada e pro punchline? Isso denigre meu talento!

– Benzinho, eu sou mandada da Grécia até essa quitinete esculhambada, mal decorada, com a tampa do vaso levantada, de frente pra dois terrenos baldios e você reclama de demérito? Já parou pra pensar na vista que temos lá do Olimpo?

O escritor voltou-se à tela do computador:

– Certo. Me desculpe. Não pretendi ser ríspido. Er... Podemos ao menos tentar uma comédia dramática? Um romance onde o humor aos poucos vá dando lugar à denúncia social, e...

– Uh, sweetie, você passou bem pelas primeiras fases: negação, revolta e agora a negociação. Depois vem a depressão (nada que aquelas quatro latinhas de Itaipava lá na geladeira não resolvam) e finalmente a aceitação. Portanto, mãozinha no teclado e manda uma comédia rasgada!

Nisso tocaram a campainha. Era o entregador de pizza de novo. A musa atendeu, viu que ele era a cara do Benicio Del Toro de banho tomado, desceu a máscara e abriu um sorriso:

– Hm, a clássica premissa cômica. Ulalá, como musa não posso deixar passar – Virou-se então ao  escritor e: – Vai trabalhando aí, tá, benzinho? Tenho umas coisas, hã, protocolares a tratar agora. Liturgia do cargo.

– Mas... – balbuciou o escritor. – E eu fico aqui  sozinho? O que eu escrevo? O que eu faço?

– Desbanca o Verissimo do ranking, ué. Aproveita que ele anda meio desnorteado e pouco inspirado por conta das falcatruas do PT e ó: mete bronca. Fui. Beijo.